Comunidade amazônica transforma resíduos em recursos

Moradores de Carauari dão exemplo de como a economia circular pode preservar o meio ambiente e gerar renda

Pequenos municípios da região Amazônica estão transformando resíduos em recursos, colocando em prática a economia circular e dando exemplo de cidadania e consciência. Em uma pesquisa de campo na pequena cidade de Carauari, que fica a cinco horas de barco de Manaus ou a duas de avião, pesquisadores encontraram uma comunidade organizada que pratica uma economia autossustentável.

As ações locais são tão positivas que renderam um artigo publicado no periódico Urban Sustainability, do grupo Nature. A pesquisa incluiu 15 dias a bordo de uma embarcação no rio Juruá, visitando pequenas comunidades, de 50 a 100 famílias, espalhadas pela região.

O primeiro autor do artigo, Michel Xocaira Paes, pesquisador do Departamento de Gestão Pública (GEP) e do Centro de Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas (Ceisa-FGV), explica que Carauari é um município situado à margem do rio Juruá, com 28 mil habitantes, sendo 21.500 na área urbana e 6.500 nas áreas rurais e florestais adjacentes, com uma presença pouco expressiva do governo federal na região.

Segundo o pesquisador, o que se encontra no local é o protagonismo de associações locais em parceria com organizações não governamentais, universidades e empresas privadas.

“A população está praticando uma economia autossustentável, baseada principalmente na pesca do pirarucu, na extração do látex, na coleta do açaí e na produção de óleos vegetais. Tais atividade têm gerado resultados expressivos para a conservação da biodiversidade e do bem-estar local e são mantidas pela alta organização social”, explicou ele em entrevista à Agência FAPESP.

Entre as associações comunitárias, destacam-se a Associação dos produtores Rurais de Carauari [ASPROC], a Associação dos Moradores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Uacari [AMARU] e a Cooperativa Mista de Desenvolvimento Sustentável e economia Solidária da Reserva Extrativista do Médio Juruá.

As atividades produtivas estão integradas por meio dos conceitos de economia circular. Os resíduos gerados em determinada atividade são tratados e se transformam em recursos aproveitados por atividades diferentes. Diminuindo os impactos ambientais e gerando economia.

Dois exemplos são a compostagem das cascas das sementes usadas na produção de óleos vegetais e o aproveitamento das vísceras de peixes são na ração usada para alimentar tartarugas.

“As comunidades produziam anualmente cerca de 100 toneladas de pescado processado, com base em regras de manejo sustentável, gerando cerca de 7, 5 mil quilos de resíduos. Agora, esse material está sendo reaproveitado, misturado com resíduos de outras cadeias produtivas, como a da farinha de mandioca, para produzir ração destinada a tartarugas de água doce. Essa estratégia é importante para garantir a viabilidade econômica do manejo comunitário de tartarugas de água doce, outro programa de sucesso de conservação que ocorre no rio Juruá”, afirma Paes.

“O QUE EU ENCONTREI FOI UMA COMUNIDADE ‘EMPODERADA’, CIENTE DE QUE A CONSERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE É SEU MAIOR RECURSO. E QUE A FLORESTA EM PÉ É UM BEM INCOMPARAVELMENTE MAIS PRECIOSO DO QUE A FLORESTA DERRUBADA. O QUE ESSA POPULAÇÃO ESTÁ FAZENDO, AO CONVERTER RESÍDUOS EM INSUMOS, É TRANSITAR, COM MUITO SUCESSO, DE UMA ECONOMIA LINEAR E DEGRADATIVA PARA UMA ECONOMIA CIRCULAR E REGENERATIVA.”

Michel Xocaira Paes, pesquisador do GEP e do Ceisa-FGV.

Os benefícios ambientais se comprovam no fato de que tanto o pirarucu quanto as tartarugas eram espécies ameaçadas de extinção na área, antes da implantação do novo modelo.  

Economia circular

O que está sendo praticado em Carauari mostra que existem caminhos mais sustentáveis e que é possível promover a economia circular na região Amazônica, protegendo a biodiversidade e as comunidades locais. Segundo Paes, este modelo possibilita urbanização sustentável vinculada às agroindústrias baseadas na biodiversidade e à proteção da floresta.

Foto: Reprodução YouTube | Agência FAPESP

“A superexploração de produtos da biodiversidade pode ser evitada por meio de princípios ecológicos muito simples, como o estabelecimento de cotas de colheita ou pesca e de locais e períodos proibidos”, afirmou o pesquisador em entrevista à Agência FAPESP.

“A AMAZÔNIA É UM EXTRAORDINÁRIO RESERVATÓRIO DE RECURSOS HÍDRICOS E FLORESTAIS, DE FLORA E FAUNA. TRANSFORMAR ESSE PATRIMÔNIO EM TERRA ARRASADA, POR MEIO DA EXTRAÇÃO MADEIREIRA E MINERAL PREDATÓRIA E DA CONVERSÃO DE FLORESTAS EM PASTAGENS, É UMA TOTAL FALTA DE VISÃO DE PRESENTE E DE FUTURO. OS RECURSOS PODEM E DEVEM UTILIZADOS COM PARCIMÔNIA E INTELIGÊNCIA. E O CONHECIMENTO PARA ISSO JÁ ESTÁ DADO.”

Michel Xocaira Paes, pesquisador do GEP e do Ceisa-FGV

Paes é também coautor de um manual prático para inovação em gestão de resíduos sólidos urbanos. Publicado recentemente pelo Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas (Ceisa-FGV), o manual está sendo distribuído gratuitamente a prefeituras de todo o país.

Confira neste vídeo da Agência FAPESP mais informações sobre o estudo:

Apoio à pesquisa

O estudo realizado em Carauari recebeu apoio da FAPESP por meio de bolsa de pós-doutorado concedida a Paes e de dois auxílios à pesquisa (17/50425-9 e 17/00351-9), concedidos a José Antonio Puppim de Oliveira, supervisor de Paes e participante do estudo.

João Vitor Campos-Silva, outro participante do estudo, recebeu apoio por meio do Belmont Forum e da iniciativa BiodivERsA – um acordo entre a FAPESP e diversas organizações, como a Agence Nationale de la Recherche (França), a National Science Foundation (Estados Unidos), o Forskningsrådet (Noruega) e o Bundesministerium für Bildung und Forschung (Alemanha).

O artigo Integrating circular economy in urban Amazon pode ser acessado na íntegra em www.nature.com/articles/s42949-021-00031-z.


Por Natasha Olsen | CicloVivo

Imagem (destaque):Michel Paes

Com informações da Agência FAPESP

Gostou? Compartilhe:

-publicidade-

Rodrigo Rivera